Texto de Roberto Curi Hallal
Uma dor antropológica se soma a uma história diversa, ao mesmo tempo misturada de altos e baixos que remete a cultos de um tempo que se recupera em memórias e lembranças. Inspirados os imigrantes libaneses carregam milenares culturas, seus silêncios são algo mais do que ausências, remetem à uma ancestralidade que nem sempre as palavras não alcançam dimensionar. Luzes distantes sempre remetem à pátria, do outro lado as luzes sempre parecem estar ao alcance, volta e meia desaparecem para ceder lugar a excessos de iludidas certezas alimentando provisórias alegrias.
……………………………….
A ideia da criação da Academia porta-voz de histórias criativas através das ciências, artes e literatura exalta o direito da VOZ PROFUNDA como coletora e reconstrutora dos costumes condutores da identidade libanesa. Será importante registrar suas histórias, narradas ou publicadas, porque grande parte deste trabalho será catalogar autores, traduzir-lhes e difundir seus textos; em certa forma, seu oficio como narradores e escritores, as ações a classificar, incluir ou excluir as produções: literárias, científicas, artísticas e de outras formas de difusão cultural.
Finalmente, existe uma tradução cultural para dar conta das antigas e novas identidades e transformações culturais dos libaneses em seus ideais, palavras e valores que recordam a tradição, porém, também, em certo sentido evidenciar suas coincidências e discrepâncias. Este trabalho tão necessário para difusão da cultura libanesa, visa combinar a trajetória dos nossos antepassados como precursores de uma cultura que ainda sobrevive através dos descendentes nossas práticas familiares e culturais.
O testemunho oral e escrito se intercala permanentemente e formam uma complexa e singular unidade; como tal urge por algum resgate através da reconstrução da cultura que nos forja dentro da casa, povoa nossa infância, mas se perde sem espaço na vida pós-moderna que se impõe como alienante, roubando espaço e tempo para a reflexão interior. A fratura entre nosso passado e um presente povoado de consumismo impede a visão que enaltece a cultura presente em cada comemoração, deixando perdidos os elos que sintetizam as condutas que vinculam entre o passado e o futuro. Nossos valores, quase melancolicamente habitam nossos apetites, a oralidade e a generosidade libanesas não abandonam a nossa mesa, ao habitarem nossos corações e mentes, não acabam quando passa a nossa fome ancestral.
Vamos oferecer-nos uma autorização interna e necessária para produzir uma extensão da nossa identidade que nos remeta a um lugar onde os enunciados são diferentes. Cada um de nós conduzirá o mundo das percepções e dos afetos, para ser inserido em um mundo paralelo onde a cosmovisão transportará o poder transformador da cultura incluída como autorização para não esquecermos a casa onde nascemos, o lugar da criação, a pronúncia que consagrada a nossa história.
Como inscrever duas culturas e sob enfoques culturais que, superpostos confluam e sejam passiveis de uma edição conjunta, superpondo corações, convertendo-se para enfrentar a problemática das traduções? O maior dos desafios será adotar uma versão afinada a cada idioma, mais apegada as estruturas das línguas originárias e depois para convertê-las em metáforas de acordo com idioma e os costumes de cada lugar onde se instalaram os libaneses. Sem dúvida o idioma da nossa “língua” se deposita na mesa, na culinária, na erradicação da falta, da generosa acolhida, em torno da família sendo o núcleo primário das nossas identidades.
Finalmente, o que está em jogo será a nossa decisão de fazer uma transição de determinados significados de uma cultura à outra, uma inclusão capaz de ser uma ponte alternativa eliminando a colonização com entrave para aproximações. Qualificar a vida no lugar das origens, onde se nasce e vive, nsistir nos significados da nossa cultura libanesa com suas diferenças, seus sons, suas danças, suas comidas, suas histórias, estabelecendo alianças estratégicas entre as várias gerações promoverá encontros acadêmicos, artísticos, culturais, esportivos, conjunto de formas de estar-juntos. Fazer-nos agentes da conquista das nossas metas.
Recompilar a tradição escrita e oral, enaltecerá a memória coletiva visando sua permanência. Ao mesmo tempo apoiados nela, recriaremos, agregando elementos novos, valores atuais pretendendo alcançar o equitativo. Toda cultura avançada tolera ser híbrida, imigrantes povoando territórios alheios à sua cultura.
Será importante um exercício exaustivo centrado no registro da memória cultural existente nas comunidades libanesas, fazendo da sua recuperação a primeira meta para posterior transcrição da mesma. Textos, histórias guardadas no folclore familiar, objetos pertencentes à tradição dividindo-os por região e categoria. Elementos porta-vozes da tradição. A recuperação da vida íntima assistida em cada objeto com significantes referências marcada com diferenças entre o vivido por eles e o entendimento das gerações seguintes. As histórias das malas, das “lojinhas”, das cozinhas, das atividades festivas, das tradições e das crenças recompiladas com o intuito de recriar um mecanismo de transmissão para conectar o Líbano idílico, ainda presente nas nossas almas e, o Líbano híbrido da pós modernidade. Gerar diálogos que privilegie o respeito e a palavra do outro. A ponte entre a aldeia e o urbe.
A descrição cuidadosa das emoções vividas em relação aos corpos e aos trabalhos sempre estarão medidas por sensações, lembranças, aspirações e desafios. Carregados de simbolismos e poder esses valiosos dados transportarão significados ao passado que coabita nossas cozinhas, que são contadas nas mãos e nos paladares acolhedores e reprodutores da história. Não sendo apenas uma transcrição ou um registro, mas uma busca de manter elementos ancestrais como uma forma particular de expressão cultural. Entre a preservação de uma cultura e uma recreação podemos fazer disto uma vivência testemunhal de uma nova criação. Ver-nos repetindo nos gestos ao redor de reconhecimentos se dará um novo sentido, uma nova oferenda, uma nova forma de homenagem às nossas, inundadas de lembranças. Estaremos além de recompilar histórias, recompilando seu enunciado impregnado de afetos reiterados cuidando do cordão umbilical.
Proponho uma proteção à inocência dos sonhos e a determinação das lembranças, fartos de tantos silêncios, as paredes das velhas casas ainda ecoam dentro das nossas lembranças, ainda que demolidas pedem que lhes devolvamos a voz. Recorramos as crianças e aos jovens para que eles repitam em coro a mesma palavra que nos une: Líbano. Sem renunciar às origens, devemos chegar a eles como pontes, como atrações que signifique o verdadeiro valor que nos sustenta, saber que em cada um de nós habitam muitas carnes.
Será esta a Academia dos nossos sonhos, a partir do qual divulgaremos nossas iniciativas no sentido de agregar novas ideias, pessoas e compromissos para um movimento de intercâmbios culturais e afetivos entre todos aqueles que se unam aos propósitos aqui formulados.