Acadêmico: João Bosco
Cadeira: 20
Patrono: Tito Madi
Membro: Titular
Seção: Artes (Música)
Eleição: 04/11/2022
Posse: 12/11/2022
Sob a presidência: José Roberto Tadros
Antecessor: –
Auto-Retrato
Há uma suspeita de que a escassez de cabelos na cabeça influi na quantidade do sono. Enquanto isso meu nariz aponta para a linha do nada onde tudo se reparte em idéias, ilhas e continentes. Meus olhos confirmam tudo. A minha boca é toda ouvidos para o meu coração. Os meus ouvidos atentam para outras bocas.
Amamentado pelo meu violão, moro na estrada. Sem saber quem sou e nem porque vim, eu vou. Da primeira vez que nasci, lá pelo ano de 1946, trouxe comigo uma grande alegria para o meu pai que até aquele momento contabilizava o feito de cinco moças e mais os olhares interrogativos e desconfiados da colônia árabe pontenovense. Como primeiro filho homem ajudei em sua redenção.
Cresci em meio aos matagais, trilhas, mata-burro, veredas e grutas; descalço, tive os pés regulados para andar por esses caminhos ao som de pios de uma fauna alegre e ingênua; matuto, vivia contando estrelas, ouvindo carrilhões e sonhava muito.
Quando os libaneses se reuniam em nossa casa, se entendiam naquela língua de quem gosta de montar em camelo. Eu achava aquilo meio estranho. Era como clamar no deserto.
Logo depois eu aprendi a fumar, matar as aulas de um Colégio Salesiano, e fui apresentado a um anjo de grande topete negro, envergado sobre uma guitarra, cuja canção dizia para mim: Vai João, ser torto na vida.
Passei pela terra de Aleijadinho e o meu coração que até então era vadio, ficou barroco. Subi e desci ladeiras. Descobri que na vida existem mais hipóteses que teoremas. Supor é melhor que demonstrar e na dúvida mora a vontade de continuar.
Foi assim que deixei a memória, o patrimônio de séculos construídos pelas mãos do homem, o calçamento em forma de pé-de-moleque, o silêncio das almas, o barulho interno de minha alma. Calcei os sapatos, peguei o trem e vim pra cá, onde as ruas são largas, retas e simétricas; as sirenes são cortantes e os pastores das almas são barulhentos. O vizinho não mora ao lado, as árvores são introvertidas e os pios das aves são intrigantes.
Quando nasci da segunda vez, o meu coração bateu aflito. Mas logo que vi o mar, serenei pois tudo que havia existido voltou subitamente e volta sempre quando estou caminhando no calçadão que vai do Leblon ao Arpoador. Aí, o que foi e o que poderia vir a a ser andam comigo, incluindo as sementes, o pão de queijo e a goiabada cascão.
Os meus filhos Francisco e Júlia nasceram aqui mesmo cujo padroeiro (São Sebastião) é o mesmo da minha cidade natal. Ângela, minha companheira inseparável em todas essas andanças e mãe dos nossos filhos, foi criada em Ponte Nova mas também é natural da Cidade Maravilhosa. Bem que eu devia ter desconfiado que aquelas Congadas e Folias me trariam até Clementina de Jesus. O meu coração ficou ativo e cantou: “Atividade no Abano / Antes que o fogo se apague”.
Eu sou do signo de Câncer, por isso prefiro uma toca, entretanto aprendi a contrariar o meu signo várias vezes, por isso gosto tanto de viajar por esse mundo afora, só não consigo contrariar o meu signo de mineiro.
Eu sei que esse deveria ser um retrato pintado ou desenhado, falado ou escrito do autor pelo próprio autor, mas quando se trata de revelar-me, prefiro assim, meio de lado (do jeito que a gente anda no samba), no lugar de frente ou verso. O silêncio, a liberdade e a terceira margem do rio foram inventados em Minas Gerais.
O amor é o meu dia de folga. Meu melhor trabalho é a minha família, minha alegria é Rubro-Negra. Quem sabe de mim é o meu violão. Nesse fim de semana, se eu não for pra Belô, a gente se cruza do calçadão. (João Bosco)
Biografia-
João Bosco de Freitas Mucci, mais conhecido como João Bosco, (Ponte Nova, 13 de julho de 1946) é um cantor, violonista e compositor.
Filho de pai libanês, e irmão do também músico Tunai, João Bosco começou a tocar violão aos doze anos, incentivado por uma família repleta de músicos. Suas primeiras influências foram Ângela Maria, Cauby Peixoto, Elvis Presley e Little Richard, integrou a banda X-Gare (inspirada na canção “She’s got it” de Richard).
Alguns anos depois, iniciou na Escola de Minas em Ouro Preto cursando Engenharia Civil. Apesar de não deixar de lado os estudos, dedicava-se sobremaneira à carreira musical, influenciado principalmente por gêneros como jazz e bossa nova e pelo tropicalismo. Foi em Ouro Preto, em 1967, na casa do pintor Carlos Scliar, que conheceu Vinícius de Moraes, com o qual compôs as seguintes canções: Samba do Pouso e O mergulhador – dentre outras.
Em 1970 conheceu aquele que viria a ser o mais frequente parceiro, com quem compôs mais de uma centena de canções: Aldir Blanc, O Mestre Sala dos Mares, O Bêbado e a Equilibrista, Bala com Bala, Kid Cavaquinho, Caça à Raposa, Falso Brilhante, O Rancho da Goiabada, De Frente pro Crime, Fantasia, Bodas de Prata, Latin Lover, O Ronco da Cuíca, Corsário, dentre muitas outras.
A primeira gravação saiu no disco de bolso do jornal O Pasquim: Agnus Sei (1972). No ano seguinte, assinou contrato com a gravadora RCA, lançando o primeiro disco, que levava apenas seu nome.
Em 1972 conheceu Elis Regina que gravou uma parceria sua com Blanc: Bala com Bala; a carreira deslanchou depois da interpretação da cantora para o nolero Dois pra lá, Dois pra cá.
A criação da Academia Libano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências não somente ilumina a caminhada de nossos antepassados do Líbano rumo ao Brasil, como também nos remete a tempos imemoriais e de antigas civilizações. Será uma grande honra para mim fazer parte da ABL principalmente na cadeira do patrono Tito Madi do qual sou admirador da sua obra.
João Bosco
Você pode encontrar toda a discografia completa de João Bosco no site oficial:
https://www.joaobosco.com.br/discografia/